Ao passo que aceitamos continuar vivendo numa sociedade que vai de mal a pior, como assim me parece a nossa, mais grandiosas vão se tornando as obras de arte. Triste constatação: a intensidade de uma obra apruma tanto mais o desgosto impera sobre nosso suspirar cotidiano. Se consagramos a desmesura, a obra chega ao limite do que pode ser belo naquilo que é triste, hediondo, insuportável. Arte existe a partir disso, não? Se não, de qual fartura artística se vale uma "Guernica", de Picasso, se a Guerra Civil Espanhola não tivesse acontecido? De qual brilho genial teria aparecido uma Nona Sinfonia se Beethoven (e aí incluo Schiller) não percebesse o drama humano na Europa do século XVIII? De que moleca preciosidade viriam as palavras de Manuel Bandeira se não assumisse a beleza de ser um poeta menor, já que menor é aquele que brinca com as palavras, não o que levanta prédios, ou montantes de dinheiro? Mais uma vez (talvez sempre), vale a máxima de que, para vivermos uma vida sem justificativa alguma, só uma vida com arte.
Janet Cardiff e Thomas Tallis me fizeram suspirar o dia com um aroma doce de esperança e luta, de leveza e serenidade. Que acalanto o sopro das vozes que cantam "Spem in Alium nunquam habui"! Convido aos interessados a não cruzarem os braços frente ao desgostoso imperativo que só torna nossa condição cada vez mais desumana e a ouvirem/auscultarem a ternura desta composição do século XVI. - Só para fazer valer, mais uma vez (talvez sempre), a máxima de que precisamos de uma vida com arte.
Foto: Janet Cardiff, Forty Part Motet, 2001.
Foto: Janet Cardiff, Forty Part Motet, 2001.