terça-feira, junho 19, 2007

Esse é o tio Freud


"Ora, estas coisas psicanalíticas só são compreensíveis se forem relativamente completas e detalhadas, exatamente como a própria análise só funciona se o paciente descer das abstrações substitutivas até os ínfimos detalhes. Disso resulta que a discrição é incompatível com uma boa exposição sobre a psicanálise. É preciso ser sem escrúpulos, expor-se, arriscar-se, trair-se, comportar-se como o artista que compra tintas com o dinheiro da casa e queima os móveis para que o modelo não sinta frio. Sem alguma destas ações criminosas, não se pode fazer nada direito".
Freud a Pfsiter, 5.6.1910
Foto: Freud e Lün

terça-feira, junho 05, 2007

The unending gift


Um pintor nos prometeu um quadro.
Agora, em New England, soube que morreu. Senti, como de outras vezes, a tristeza e a surpresa de compreender que somos como um sonho. Pensei no homem e no quadro perdidos.
(Só os deuses podem prometer, porque são imortais.)
Pensei num lugar prefixado que a tela não ocupará.
Pensei depois: se estivesse ali, seria, com o tempo, essa coisa a mais, uma coisa, uma das vaidades ou hábitos de minha casa; agora é ilimitada, incessante, capaz de qualquer forma e de qualquer cor e não sujeita a nenhuma.
Existe de algum modo. Viverá e crescerá como uma música, e estará comigo até o fim. Obrigado, Jorge Larco.
(Também os homens podem prometer, porque na promessa há algo imortal.)

Jorge Luís Borges, in "Nova antologia pessoal".
Gravura "Relativity", de M. C. Escher.

sábado, junho 02, 2007

Vida, veja o volume de seu vigor!


"Em todos os tempos quis-se 'melhorar' os homens: este anseio antes de tudo chamava-se moral. Mas sob a mesma palavra escondem-se todas as tendências mais diversas. Tanto a domesticação da besta humana quanto a criação de um determinado gênero de homem foi chamada 'melhoramento': somente estes termos zoológicos expressam realidades. Realidades das quais com certeza o sacerdote, típico 'melhorador', nada sabe - nada quer saber... Chamar a domesticação de um animal de seu 'melhoramento' soa, para nós, quase como uma piada". (Friedrich Wilhelm Nietzsche, "O crepúsculo dos ídolos (ou como filosofar com o martelo)" - 1889, "Os 'melhoradores' da humanidade", trecho do af. 2)
Quem não tem ídolos a serem derrubados? É difícil perceber que importantes elementos que construíram nossa vida devem ser quebrados com um martelo. Viga mestra que, levantada para iniciar uma vida, precisa ser derrubada - para que o processo de domesticação se encerre! A vida pede uma moral própria para andar sozinha, que seja construída com seu próprio sangue e amor, não a partir da tentativa de "melhoramento" feita por outrem - ela que se garanta por si. Vai, caminhante, que o mundo é teu! Vai sem medo...
Pintura: Fighter, de Egon Schiele.

segunda-feira, abril 23, 2007

Que bom!


Que bom ter você perto! Que bom ter você em pensamento! Que bom ter você a todo momento! Que bom ter você do meu lado! Que bom ter você dentro do meu peito! Que bom ter você durante o dia! Que bom ter você durante a noite! Que bom ter você escutando música! Que bom ter você se surpreendendo com a vida! Que bom ter você admirando a vida! Que bom ter você consigo e comigo! Que bom segurar sua mão! Que bom sentir seu beijo! Que bom sentir seu corpo! Que bom sentir seu cheiro! Que bom pular com você! Que bom cantar com você! Que bom sorrir para você! Que bom te ver sorrindo para mim! Que bom pensarmos rimas juntas e, juntas, juntá-las ainda mais! Que bom lermos as letras dos mesmos livros! Que bom querermos juntar ainda mais os livros que são nossos!

Abandonar-me em você pois que vocêu é a vida que mais quero! Quero, quero e quero... Que bom... estamos aqui... respirando... suspirando os dias que virão... Eles virão e nós iremos com eles... juntos! Que bom!

sábado, março 17, 2007

Para ler, esquecer e viver...


A vida é o que me acontece.
A vida é o que te acontece.
A vida é o que lhe acontece.
A vida é o que nos acontece.
A vida é o que vos acontece.
A vida é o que lhes acontece.
A vida é o que se acontece...

domingo, março 11, 2007

Insanidades em prol do novo


Guimarães Rosa disse que a gente morre para provar que viveu... Como escutar isso? Dá prá entender uma coisa dessas? Com certeza, não damos ouvido a algo do tipo assim, do nada... Dá para entender se percebermos que há um dedo de vida na morte e um dedo de morte na vida. (uma complicação a mais) Vida e morte formam um ciclo de difícil disjunção, em que não se tem delimitado onde começa uma e termina a outra. Elas são em todos os pontos da estrada - é, elas são (assim como gostaríamos de ser). A gente já nasce morrendo, as células têm idade e, mesmo em franca evolução, elas deterioram - a própria evolução já é uma deterioração. É por isso que, Heráclito bem disse, não entramos no mesmo rio duas vezes... O tempo se passou e não conseguimos segurá-lo, é tão fugidio quanto o rabo que o cachorro, pensando que é de outro, tenta tonteiramente pegar, é tão fugidio como a água que não fica em nossas mãos, é tão fugidio quanto o relógio que nunca mostra a mesma hora, mesmo que olhemos para o mesmo ponto do sol no céu do dia anterior... A sombra nunca é a mesma... Ela nunca é repetição do mesmo. Talvez precisemos questionar se existe algo que seja mesmo -- pois mesmo não tem nada novo. Será que nunca vivemos algo novo? Será que algo não precisa morrer para aparecer novo?...
"Aprendi com a primavera a me deixar cortar e voltar sempre inteira", escreveu Cecília Meireles. Deixemo-nos cortar...
"Banda de Moebius", de M.C. Escher

sábado, março 03, 2007

Recado para si mesmo


Poema que é como respirar ar puro, desejar profundo, limpar os pulmões e entender que o "a esmo" através do qual a vida anda levanta fronte frente os soldados que querem nos derrubar. Recado para si mesmo pois que os soldados também são nossos, mas todos esses que aí estão...

Poeminha do Contra
Todos esses que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!
Mário Quintana
PS.: Será que preciso grudar isso na porta da geladeira? Isso vai pulsar como meu próprio sangue.
Pintura: Jean-Michel Basquiat

domingo, janeiro 28, 2007

Meio-dia


Estava andando numa dessas noites de chuva, com meu sobretudo e chapéu encharcados. Muita chuva e pouca luz na rua, mas, ainda que a caminhada perdurasse madrugada a dentro, a água me fazia companhia - e o som das gotas me acariciava ao tocar o chão; é, meus pés tinham uma extensão aquática e por isso nem eles nem eu sentíamos estar sozinhos. À medida em que andava, minhas mãos se aconchegavam nos bolsos, secos por causa do sobretudo, e percebiam o calor do corpo que só sentia chuva e companhia. Nunca foi tão fácil andar, aliás, muito mais do que durante o dia de sol, mas me petrificava a toda vez que via minha sombra - e ela insistia em me acompanhar... O auge de minha angústia era quando, por causa do jogo de luzes dos postes, via-me rodeado por quatro sombras-de-mim. Mas qual era o problema que meu coração reclamava? Qual era a dica que a chuva queria me dar?
Dia seguinte e acordei com olhos vidrados no teto. A roupa jogada no quarto esperava sua posição no varal. Era sol - o dia seria mais difícil do que ontem, na chuva - e era meio-dia... Súbita compreensão da ángustia: meio-dia é a hora da vunerabilidade e da verdade, é a hora sagrada, justamente porque não se vê em volta nenhuma sombra de si.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Sensibilidade no campo


Quando não se tem linhas firmes e calmas no horizonte da vida, como as linhas das montanhas e dos bosques, a própria vontade íntima do homem vem a ser intranquila, dispersa e sequiosa como a natureza do citadino: ele não tem felicidade e nem dá felicidade.
Friedrich Nietzsche, "Humano demasiado humano".
Foto: Universidade da Basiléia.