quarta-feira, maio 08, 2013

Algo sobre "Arquitetura da Destruição"


Em 24/04/2013, apresentei na Faculdade Pitágoras de Betim um comentário sobre "Arquitetura da Destruição", documentário com direção de Peter Cohen e película que alçou ao patamar de obra-prima no mundo cinematográfico, além de apresentar um tom crítico bastante particular.
Com a tese de os nazistas teriam assumido para si a responsabilidade de erradicar quaisquer ameaças que afligissem a sociedade ocidental, seu objetivo era: "purificada e preservada da decadência, uma nova Alemanha surgiria mais forte e muito mais bonita".
Alguns aspectos foram delineados ao pensar sobre o filme:
O contexto de análises realizadas sobre as personalidades dos envolvidos nos massacres ocorridos nos campos de concentração após a 2ª Grande Guerra apontou para uma tentativa de diagnosticar os que executaram ordem vinda das altas hierarquias do regime hitlerista, mas será que essa situação é de ordem diagnóstica?; a "banalização do mal" e a maldade humana disfarçada por uma questão da burocracia da ordem fica explícita na "engenharia social" da homogeneização forçada, da eugenia e do higienismo; remeter toda a maldade existente na cultura humana seria uma forma de não nos responsabilizarmos por ela; Simone Pinho Ribeiro (2009): Jacques Lacan, na "Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista na Escola" (2003), chama a atenção para três pontos, a saber, uma escola de formação em psicanálise hierarquizada, o Complexo de Édipo e os campos de concentração; a entrada no campo de concentração provoca um esvaziamento da subjetividade; vai-se construindo uma nova forma de biopoder; Lacan, a imposição da igualdade, os mercados e o campo de concentração; o gozo, o consumo e a segregação.

segunda-feira, julho 23, 2012

Sobre agressividade e sociedade

Infelizmente, têm se tornado comuns notícias de pessoas mortas por jovens adultos em lugares públicos, como ocorreu num cinema de Aurora, Colorado/EUA (a cerca de 30km de Columbine, lembra?). Sem dúvida, trata-se de fato desolador, e sempre remete comunidade científica e policial a teorias que tentam explicar a motivação do assassínio.
De maneira geral, a população fica curiosa em saber se se trata de uma psicopatia, uma psicose, de uso abusivo de drogas, etc. Não à toa, publicações semanais e jornais estampam fotos 3x4 dos assassinos com questões postas ao lado relacionadas a diagnóstico psicológico ou psiquiátrico ("coisa boa identificar essas pessoas, que pode ser qualquer um... só não pode ser eu...", pensam seus leitores). A tendência é a culpabilização individual - o que a priori não é equivocado.
Barack Obama, em pronunciamento sobre o acontecido em Aurora, e a cuja integralidade não tive acesso, diz que, por mais que seja identificado o assassino, ainda não seria possível entender o que leva uma pessoa a cometer tal ato. Seria um momento de sensatez e de percepção do atravessamento da agressividade no social e no sujeito? Bom, de qualquer forma, seria equivocado não ler nesse discurso que não entender o fato é não entender a presença constante da agressividade nas relações.
O ponto delicado da questão não é apenas esse: a sociedade se questiona sobre quais tipos de relação produz? A partir disso, que limites encontramos em teorias que analisam o acontecimento sob o escopo do social? E as que privilegiam estritamente o individual?
Na cena desse rizoma que é a vida cotidiana, esfumaçado é o sujeito, sem consistência, sem gravidade e sem qualidades...
Pintura: Premonição (1936), de Salvador Dali.

quarta-feira, julho 18, 2012

Politicamente...


Tenho percebido constantemente o movimento do “politicamente correto”. Para muitos, concordar com tal postura significa entrar no mundo dos devotos do desprendimento (lassez faire, lassez passer?) e dos despojados de crendices. A verdade é que nunca antes na história algo se tornou tão chato...
Pelo aperfeiçoamento da raça humana, tudo se torna preconceito. Tudo se torna um movimento social, uma nova tendência, algo mais “descolado”. Espontaneidade nula. Tudo deve estar dentro dos conformes dos preceitos do corretismo. Fruto um tanto apodrecido de nossa (pós-?)modernidade, é como se devêssemos acolher o novo (não fazê-lo seria preconceito) só por acolhê-lo – pois, mais vale mudar de ideia do que permanecer com a mesma. Diriam: não, isso é conservadorismo...
Fato é que aderir a esse movimento significa, dentre outras coisas, não aceitar a existência do “politicamente incorreto”. Bom, digo o seguinte para os politicamente corretos: isso é intolerância – coincidentemente o que dizem combater. Vejam Seinfeld ou leiam Luiz Felipe Pondé e terão uma mostra da ética do politicamente incorreto.
Seja criticar Mark Twain, o vocábulo “cigano” no Houaiss ou “A Divina Comédia”, a limitação de suas leituras a racismo e homofobia só significam uma coisa: limitação de horizontes.

segunda-feira, novembro 14, 2011

O cuidar de si

Novo livro de Christian Dunker estuda as formas de relação do sujeito com seu semelhante

Vladimir Safatle

“A cura não apenas faculta amar e trabalhar, mas sugere que isso possa ser feito segundo uma nova forma de estar no mundo, uma forma que convida à criação e à invenção de outras maneiras de satisfação.”

Dificilmente poderíamos encontrar síntese melhor do que está em jogo na cura do sofrimento psíquico do que tal afirmação central no novo livro de Christian Dunker, Estrutura e Constituição da Clínica Psicanalítica: Uma Arqueologia das Práticas de Cura, Psicoterapia e Tratamento (Annablume).

Partindo dela, Dunker propõe-se a traçar o lento quadro de constituição da cura do mal-estar, tal como ele aparece à consciência ocidental desde os gregos.

Andando na contramão do empreendimento de Michel Foucault, para quem as práticas de cuidado de si próprias ao mundo greco-romano não seriam comensuráveis com aquilo que encontramos nas modernas psicoterapias, em especial na psicanálise, Dunker quer expor relações de profunda solidariedade e pertencimento.

Sua larga experiência clínica permite-lhe reinscrever a psicanálise no interior de um conjunto de reflexões sobre a força produtiva e transformadora do poder que exercemos sobre nós mesmos ou que deixamos que outros exerçam sobre nós. Poder que, atualmente, se serve da “importância da autoridade pessoal do psicoterapeuta sobre o paciente” a fim de mobilizá-la para além de meros dispositivos de sugestão.

Que a tematização das estruturas do poder possa abrir “uma nova forma de estar no mundo”, eis algo que a guinada organicista da psiquiatria contemporânea faz questão de esquecer.

É preferível imaginar que nosso corpo vai mal a assumir que sofremos por não sermos capazes de redesenhar as engrenagens do poder que exercemos sobre nós mesmos. Ou seja, que sofremos por termos, digamos, uma má política de si.

Mas é para a urgência de tal reflexão que o robusto livro de Dunker acaba por nos levar. O que não poderia ser diferente para alguém que afirma ser o diagnóstico clínico “um diagnóstico das formas de relação do sujeito com o outro”.

Seu livro começa com a confrontação entre as duas vertentes da formação do Ocidente, a grega e a judaica, a respeito da experiência da dúvida de si, da dúvida a respeito de seu próprio lugar. Uma dúvida que expressa o caráter agonístico, conflitual do que se coloca para mim como destino.

Quem diz conflito fala necessariamente em política, em capacidade de negociação. Essa dupla política se organiza tendo em vista dois tipos possíveis de fracasso.

O herói grego (e Ulisses é aqui o maior exemplo) é assombrado pela possibilidade da “perda da alma”, do “excesso de indeterminação do espírito” que o faria duvidar do destino que ele sabe necessário. Por isso, ele vive a esconjurar tal indeterminação e a reafirmar obstinadamente seu destino.

Já o herói semita é aquele que precisa “confiar e agir sem dispor de todo o saber necessário para tal”, que deve aceitar viver com um nome impronunciável. Por isso, ele deve assumir a produtividade desse seu excesso de indeterminação.

Duas vias cruzadas que Dunker, com sua astúcia costumeira, não tem dificuldade em transformar em tendências internas às formas do adoecer psíquico. Fracassamos de duas formas: ou por mergulharmos em uma odisseia sem fim nem retorno, como um Ulisses sem Penélope, ou por perdermos a confiança no que é impronunciável, no que ainda não tem forma.

Entre essas duas possibilidades de fracasso, as práticas de cuidado de si herdadas pela psicanálise atuarão.

A partir desta célula motora, o livro de Dunker passará em revista vários momentos das práticas de cuidado de si (Montaigne com seus Ensaios, Descartes e suas Meditações, Hegel e a narratividade de sua Fenomenologia), até chegar à psicanálise.

Nesse trajeto impressionante, a capacidade de distinção e organização de Dunker leva o leitor a compreender como a psicanálise nunca poderia organizar-se a partir de um “conhece-te a ti mesmo”, mas sim de um “cuida de ti”.

Não exatamente um saber baseado no processo de decifração do inconsciente, mas a invenção de uma verdade resultante da capacidade de criar novas formas de vida.

Da Revista Cult, nº 162.

segunda-feira, julho 18, 2011

Quantas auroras...


Ontem me dei conta de como alguns programas na TV têm mostrado o quanto ainda nos questionamos se fazemos ou não parte da natureza. Há dois tipos de discursos envolvidos e dois motes para o surgimento deles. Se a emissora quer encerrar bem o dia, fazemos parte da natureza: esportes radicais são mostrados (normalmente não são praticados in door); passeios ecológicos querem "trazer o homem de volta ao contato com a natureza", etc. Se quer colocar a culpa dos problemas no mundo: "o aquecimento global é culpa do homem e prejudica a natureza", não fazemos parte dela e só queremos acabar com ela; quando a agressividade vem à tona, o agressivo tem a mente doentia, pois o homem é diferenciado, já que a construção de uma civilização serviu para acabar com a barbárie e com a desrazão. No final das contas, é a humanidade querendo tornar a terra proveitosa para ela mesma...

O velho Freud já tinha atentado para isso há muito tempo. Em O mal-estar na Cultura, ele já escrevia: "Nunca dominaremos completamente a natureza, e nosso organismo, ele mesmo parte dessa natureza, será sempre uma construção transitória, limitada em adequação e desempenho".

O que estamos querendo?

sábado, junho 25, 2011

A arte e o frescor de vida

Fui tocado hoje, de novo, por Woody Allen. Seu último filme, Midnight in Paris, tem um quê de fantasioso que o faz delicioso de assistir.
De início, não é à toa que um dos cartazes de promoção do filme tem como fundo Noite estrelada, de Vincent van Gogh. É do encanto que essa obra promove à vista que talvez consigamos entender, antes de assistir ao filme, que se trata de uma noite vivida e sentida por um corpo embebido de um lema foucaultiano: tornar-se um verdadeiro autor e tornar a própria vida uma obra de arte.
Mas, a pergunta que o filme traz já logo nos situa numa incoerência: transformar em arte o passado, c'est très facile - é a vida presente que nos dá glorioso trabalho.
Para além de notas críticas, filosóficas ou poéticas, ir ao cinema assistir ao filme, para mim, seria uma ótima dica a dar ao leitor. Despertou-me novamente a sensação de frescor das grandes leituras, das grandes pinturas.... e da vida dos grandes artistas.
Agora, quão importante a fantasia de cada um...
Assista ao filme.

segunda-feira, novembro 15, 2010

O mal que os homens bons fazem

"Todos nós sabemos o que queremos dizer com homem 'bom'. O homem bom ideal não fuma nem bebe, evita linguagem de baixo calão, conversa na presença de homens exatamente o que falaria se houvesse mulheres presentes, vai à igreja com regularidade e tem ipiniões corretas sobre todos os assuntos. Tem verdadeiro horror ao mau procedimento e está ciente de que é nosso doloroso dever punir o Pecado. Tem horror ainda maior a pensamentos errados e considera ser responsabilidade das autoridades proteger os jovens contra os que questionam a sabedoria das opiniões aceitas, de modo geral, pelos cidadãos de meia-idade bem-sucedidos. Além dos seus deveres profissionais, aos quais é assíduo, ele dedica muito tempo a trabalhos que visam ao bem: pode estimular o patriotismo e o treinamento militar; pode promover a indústria, a sobriedade e a virtude entre os assalariados e seus filhos, cuidando para que as falhas sejam devidamente punidas; pode ser o curador de uma universidade e evitar uma admiração imprudente e precipitada pelo aprendizado por permitir a admissão de professores com idéias subversivas. Acima de tudo, é claro, sua 'moral', em um sentido limitado, deve ser irrepreensível.
Pode-se duvidar se um homem 'bom' no sentido acima descrito faz, na média, mais bem do que o homem 'mau'. Quando digo 'mau', me refiro ao homem oposto ao que estive descrevendo. Um homem 'mau' fuma e bebe ocasionalmente e até xinga quando pisam nos seus calos. Sua conversa nem sempre pode ser impressa e, às vezes, passa os domingos ao ar livre, e não na igreja. Algumas de suas opiniões são subversivas; por exemplo, ele pode pensar que, se desejamos a paz, devemos trabalhar pela paz, não pela guerra. Assume uma atitude científica contra o mau procedimento, como tomaria com seu atumóvel se ele se comportasse mal; argumenta que sermões e prisões não irão curar mais o vício do que remendar um pneu furado. No que se refere aos maus pensamentos, ele é ainda mais perverso. Sustenta que o chamado 'mau pensamento' é apenas um pensamento, e o chamado 'bom pensamento' consiste na repetição de palavras como um papagaio, o que lhe confere empatia a todos os tipos de excentricidades indesejáveis. Suas atividades fora do horário de trabalho podem consistir, basicamente, em divertimento ou, ainda pior, em fomentar descontentamento em relação a males evitáveis que não interferem no conforto dos homens no poder. E é até mesmo possível que, em se tratando de 'moral', talvez ele não considere seus lapsos de modo tão cuidadoso como faria um homem verdadeiramente virtuoso, defendendo-se com a perversa contra-argumentação de que é melhor ser honesto do que fingir dar um bom exemplo. Ao falhar em um ou em vários desses aspectos, um homem será considerado doente pelo cidadão médio respeitável e não terá permissão de assumir qualquer cargo de autoridade, como a de um juiz, um magistrado ou um diretor de escola. Esses cargos são ocupados somente por homens 'bons'".

Esse trecho faz parte do livro "Ensaios céticos", de Bertrand Russel. Impressionante forma de abordar o assunto da bondade, me faz pensar, entre outras coisas, que se trata de um excelente e vasto campo de pesquisa.