domingo, janeiro 28, 2007

Meio-dia


Estava andando numa dessas noites de chuva, com meu sobretudo e chapéu encharcados. Muita chuva e pouca luz na rua, mas, ainda que a caminhada perdurasse madrugada a dentro, a água me fazia companhia - e o som das gotas me acariciava ao tocar o chão; é, meus pés tinham uma extensão aquática e por isso nem eles nem eu sentíamos estar sozinhos. À medida em que andava, minhas mãos se aconchegavam nos bolsos, secos por causa do sobretudo, e percebiam o calor do corpo que só sentia chuva e companhia. Nunca foi tão fácil andar, aliás, muito mais do que durante o dia de sol, mas me petrificava a toda vez que via minha sombra - e ela insistia em me acompanhar... O auge de minha angústia era quando, por causa do jogo de luzes dos postes, via-me rodeado por quatro sombras-de-mim. Mas qual era o problema que meu coração reclamava? Qual era a dica que a chuva queria me dar?
Dia seguinte e acordei com olhos vidrados no teto. A roupa jogada no quarto esperava sua posição no varal. Era sol - o dia seria mais difícil do que ontem, na chuva - e era meio-dia... Súbita compreensão da ángustia: meio-dia é a hora da vunerabilidade e da verdade, é a hora sagrada, justamente porque não se vê em volta nenhuma sombra de si.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Sensibilidade no campo


Quando não se tem linhas firmes e calmas no horizonte da vida, como as linhas das montanhas e dos bosques, a própria vontade íntima do homem vem a ser intranquila, dispersa e sequiosa como a natureza do citadino: ele não tem felicidade e nem dá felicidade.
Friedrich Nietzsche, "Humano demasiado humano".
Foto: Universidade da Basiléia.