quinta-feira, maio 21, 2009

Perspectivas e incoerências

Para mim, o mundo é de tal jeito. Para você, o mundo é de um jeito outro. Para a planta, o mundo é tal e tal. Se pronuncio "silêncio", não o há mais. Há bem e mal? Se aponto o ponto luminoso, o instante não é mais o mesmo, e a ponta do dedo não está mais certa. Se vislumbro o futuro, quanto dele já é passado? Se tento abraçar o presente, quanto do agora já se foi? O passado é rígido ou rígido é o modo como o levamos adiante? Águas passando por debaixo da ponte.
A vida às vezes parece a tentativa de uma libertação progressiva de algumas perspectivas. Alguém consegue ser realmente neutro? Nosso conceito de mundo vale para nós como sendo mais coerente, mais verdadeiro.
Ora, deixa eu brincar um pouco com as incoerências. Se gosto das perspectivas, é justamente porque a interpretação se tornou o grande deus da modernidade - e o grande diabo. Sem verdades, sem coerências. Vida e morte no palácio das angústias, e a dança embelezando a distância entre os homens. Para a planta, o universo inteiro é planta - para nós, é homem.
Pintura: "The bridge", de Egon Schiele.

domingo, maio 17, 2009

quando por que qual quem


um riso sem um
rosto(um olhar
sem um eu)
cuida

do(não to
que)ou
desaparec
erá semru
ído(na doce
terra)&
ninguém
(inclusive nós

mesmos)
relem
brará
(por uma fra

ção de um mo
mento)onde
o que como

quando
por que qual
quem
(ou qualquer coisa)

Poema de E. E. Cummings, tradução de Augusto de Campos.

domingo, maio 10, 2009

Opacidade

Lua linda a desta noite, como os dias anteriores haviam prometido. O frio torna mais bem-vindo o peso do agasalho e mais macia a mão já aquecida no abraço enamorado - sorte a de quem tem um. Refrigerantes, licores e frutas acompanham o cenário fantasioso que causa dormência aos sentidos e afetos. Quantos olhares ali devem ter se perdido, ou nem se querido encontrar - justo no ambiente propício para os sorrisos mascarados. Aquários dão um tom paradoxal para a festa - blue. E o blues da noite só cantarolava: "bom é ter alguém por perto para dar e receber um sorriso sincero".
Foto: "Rayographie Le baiser", de Man Ray.

domingo, maio 03, 2009

Defeito de Fabricação

O Terceiro Mundo tem uma crescente população. A maioria se transforma em uma espécie de "andróides", quase sempre analfabetos e com escassa especialização para o trabalho. Isso acontece aqui nas favelas do Rio, São Paulo e do Nordeste do país. E em toda a periferia da civilização.
Esses andróides são mais baratos que o robô operário fabricado em Alemanha e Japão. Mas revelam alguns "defeitos" inatos, como criar, pensar, dançar, sonhar; são defeitos muito perigosos para o Patrão Primeiro Mundo.
Aos olhos dele, nós, quando praticamos essas coisas por aqui, somos "andróides" COM DEFEITO DE FABRICAÇÃO.
Pensar sempre será uma afronta.
Ter idéias, compor, por exemplo, é ousar. No umbral da História, o projeto de juntar fibras vegetais e criar a arte de tecer foi uma grande ousadia. Pensar sempre será.
Conteúdo do encarte de "Com defeito de fabricação", CD de Tom Zé (1998).
Figura: capa do mesmo.