segunda-feira, novembro 27, 2006

Falas de Civilização


Falas de civilização, e de não dever ser,
Ou de não dever ser assim.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
Com as cousas humanas postas desta maneira.
Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fossem como tu queres, seria melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que te quereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as cousas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as cousas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
Ai de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de fazer felicidade!

Poema de Alberto Caeiro
Pintura: "Operários", de Tarsila do Amaral.

domingo, novembro 12, 2006

Dicionários e Libretos


A gente vai aprendendo que alguns pensamentos que estão na cabeça há algum tempo têm lá sua razão. Palavras que não apresentam nenhuma conexão com o restante do texto não significam que elas não tenham sentido, muito menos que o sentido esteja escondido. Com isso, fui percebendo o quanto nosso jeito de levar a vida vai obnubilando certos aspectos da nossa percepção e vai provocando uma certa separação (vide os momentos de êxtase na contemplação de uma obra de arte e o incômodo que uma música entendida como ruído pode provocar; lembre-se das vezes em que nos separamos de alguém que escreveu algo interessante, como se não tivéssemos capacidade de fazê-lo à nossa própria maneira). É, talvez a preocupação em entender desvirtue aquilo que se coloca como mensagem.
Artaud: "É preciso acabar com as obras-primas"; Beethoven: e a dificuldade que a tentativa de entender como uma pessoa que teve uma surdez progressiva e irreversível conseguiu construir algo tão grandioso como a 9ª Sinfonia; Rodin: e a irretocável precisão das curvas corporais; Einstein: e a teoria da relatividade?; Bispo do Rosário: e a confecção de seu casaco para chegar ao céu na hora de encontrar Deus?...
Energúmenos só querem olhos para ver o que não os cega. Obras-primas trazem algo de novo, mas o novo não aparece senão num ambiente sempre a porvir.
As produções humanas, enquanto criação (i)maculada de uma estética de vida, só pedem uma coisa: esqueça a nota do seu dicionalibreto, provoque uma outra que mais lhe aprouver... Deixe a música da sua palavra aparecer...
Foto de Man Ray.