segunda-feira, abril 12, 2010

Do que é quantificável

Não há dúvida de que vivemos num mundo onde os números se superam a cada dia. É a sua importância que direciona investimentos, consolidação e construção de políticas públicas, incrementa as tecnologias para o mergulho virtual, indica popularidade e aponta caminhos para relevantes decisões. Assim, não deixam de ser notórios os verbos de ordem em nosso tempo: contabilizar, medir, calcular e classificar.

Elementos que atingiram certo patamar de naturalidade em nossa cultura, tais termos de comparação podem ser facilmente encontrados em publicações como o famoso Guinness Book of Records. Com a primeira edição publicada em 1955, em Londres, segundo seu site oficial: “Nenhuma outra iniciativa reúne, confirma, homologa e apresenta dados sobre recordes mundiais com o mesmo nível de investimento em termos de abrangência e autenticidade” (fonte: http://www.guinnessworldrecords.com/br/history.aspx). Bom, nem precisa dizer que a marca Guinness é detentora de um dos maiores registros de publicação, vendagem e tradução da história editorial.

Mas, detenho-me à quantificação em questão.

Não bastasse os inúmeros algarismos que atravessam nosso dia-a-dia, recebo de um amigo a notícia de que havia sido batido o recorde de “maior beijo coletivo do mundo”. Tal proeza foi alcançada em show de Claudia Leitte e banda, realizado em 2009, em Belo Horizonte. Teriam se beijado 8372 casais ao som de “Beijar na boca”. Façanha realizada, cabe perguntar: o que significa isso? Números, casais, beijos e corpos com o único propósito de bater um recorde?

Nunca a sexualidade esteve tão liberta e nunca o conhecimento e a crítica se desvincularam tanto do conteúdo de nossa caixa craniana. Talvez não se tenha atentado para o quanto nossa sociedade tem vivido em estado de sofrimento psíquico. De qualquer forma, nunca a ingestão de medicamentos para diminuir a sensação de solidão e de tédio chegou a um nível tão alarmante quanto agora, como também nunca o corpo se viu em tamanha enrascada: ser livre e ter que atender às obrigações consuetudinárias. Deixa-se de lado a busca que o desejo provoca em favor da pseudosegurança que a boca do outro pode proporcionar no momento de uma foto, em prol de um apelo à performance alienante de apenas contar mais 1.

2 comentários:

Bruno disse...

Lembrando que hoje é o dia do beijo. É ou não é o cúmulo da obrigação pós-moderna???

Unknown disse...

lembrei de uma música da Aimee Mann:
"One is the loneliest number that you'll ever do
Two can be as bad as one
It's the loneliest number since the number one"
Mas voltando ao assunto do post, acho que o lance nem são simplesmente as quantificações... mas as serializações, termo cunhado pelo Sartre... a vida serializada.
Bração amigo Hunke!